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3 de maio de 2015
Memórias Póstumas de um Professor no Brasil
Meu nome é João Manoel Silva, tenho orgulho desse nome tão comum e tão brasileiro, tenho 74 anos e sou Professor por amor, por vocação e pelo destino. Nasci em uma família de agricultores analfabetos no interior de São Paulo, mas creio que o meu amor pela educação e pelos livros trouxe comigo em minha bagagem muito antes de eu nascer. Aprendi a juntar as letras e a formar palavras sozinho e ficava escondido atrás da porta quando a professora particular visitava a casa grande da fazenda para ensinar os filhos dos patrões a ler e a escrever.
Uma vez fui pego em flagrante pela dona da casa e chorando pedi que ela me deixasse ali para continuar aprendendo e prometi que faria silêncio e que não atrapalharia a aula dos filhos dela. E ela e minha professora se compadeceram de mim e permitiram que eu estudasse junto com os futuros doutores daquela família. Elas se tornaram meus anjos.
O tempo passou e eu cresci, aprendi a economizar todo o dinheiro que ganhava na fazenda cultivando a terra, para no futuro realizar o sonho de conseguir fazer faculdade e escolhi ser professor para retribuir o que recebi e para fazer com que mais pessoas tivessem um destino melhor que o meu. Um dia deixei a fazenda e vim para São Paulo, dormia em pensão, trabalhava fazendo bicos nos comércios da cidade, até que um dia conheci um professor que mudou a minha vida. Ele conseguiu que eu ganhasse uma bolsa de estudos e terminasse o supletivo e posteriormente conseguiu um trabalho de bibliotecário na faculdade em troca de mais uma bolsa de estudos.
Os anos se passaram e quando tinha 23 anos e era recém-formado veio o golpe militar e a ditadura, mas como era impossível que calassem a minha voz fui obrigado a partir para o exílio na França. Fui ajudado por muitos artistas abastados e pessoas de influência no governo que eram contrárias à política da época.
Passei 20 anos em Paris e lá tive a oportunidade de estudar e conhecer a história do mundo e estudei além de História, Sociologia e Filosofia. E quando a ditadura finalmente acabou voltei ao Brasil com o coração repleto de sonhos e com o coração batendo mais forte no peito.
Meus pais já haviam falecido e muitos amigos que não conseguiram fugir desapareceram ou ficaram loucos em consequência das torturas que sofreram.
Mas, apesar dos sonhos, infelizmente logo constatei que o Brasil não era um país que valorizava os professores e que a educação caminhava de mal a pior e uma profissão que faz com que todas as outras profissões existam, era uma das últimas no reconhecimento salarial e incentivo profissional. E constatei também que aqui é mais seguro que as pessoas estudem, pensem e argumentem cada vez menos para garantir que votem cada vez pior e que deixem no poder àqueles que só representam a si mesmos e aos seus próprios interesses.
Mesmo assim não desisti, trabalhei em escolas, faculdades públicas e particulares e também fui voluntário na alfabetização de adultos, pois nunca esqueci o que àquela senhora e àquela professora na fazenda fizeram por mim.
Mas com o passar dos anos fui percebendo que o respeito que se dedicavam aos professores, que em minha época eram sagrados, se transformou, pois hoje somos tratados como empregados das crianças, adolescentes e seus pais, pois se eles pagam as mensalidades escolares somos obrigados a passar de ano alunos quase que totalmente despreparados para um novo ano escolar, o que dirá para o futuro.
Mas mesmo assim não desisti e não parei de lecionar nem quando me aposentei.
Mas hoje é muito triste constatar que cada vez menos jovens escolhem esta profissão e quando a escolhem é para trabalhar em outras áreas que exigem essa qualificação e que são melhor reconhecidas e remuneradas.
Ainda sim sonho com o dia em que os professores sejam reconhecidos e valorizados como o são no Japão, em que até o Imperador se curva diante deles por reconhecer que em uma terra que não há Professores não poderá haver Imperadores.
Mas minha história de lutas acabou hoje, pois enquanto estava nas ruas lutando mais uma vez pela educação e por um mínimo de dignidade e condições de trabalho, meu coração não resistiu quando fui atacado por um ex-aluno que pertencia à tropa de choque e que nos atacava com balas de borracha, gás lacrimogênio e spray de pimenta. Parecia cena de guerra e ao meu lado dezenas de professores estavam no chão machucados e havia sangue escorrendo pelos seus rostos manchando suas faixas e bandeiras.
E enquanto agonizava, ele me reconheceu e tentou me salvar fazendo massagem cardíaca mas já era tarde demais para mim, pois o Mestre estava morto.
Eu desisti da vida e espero entrar para a história copiando a frase de Getúlio Vargas. E a luta continua, antes que seja tarde demais, porque a Educação no Brasil parece que está respirando com a ajuda de aparelhos.
Nota: Essa história é fictícia e qualquer semelhança de nomes ou história é apenas uma mera coincidência. Mas esta crônica que escrevi é apenas para a reflexão e para retratar a tristeza que sinto pela situação em que os professores se encontram hoje. Eu sou professora, apesar de não lecionar e carrego uma profunda e inesquecível gratidão à todos os professores e professoras que tive em minha vida. Pois sem eles nada do que conquistei na vida teria sido possível e nem mesmo seria possível escrever este texto que vos apresento com humildade e amor.
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